Às vezes vejo coisas que me deixam incomodado. Utilizo esta palavra porque é isso que sinto; quero dizer que há algo que fica aqui a roer, aqui dentro do coração. Há uma nova moda (pelo menos aqui em Braga) naquilo que chamo os pedintes musicais; começaram a aparecer os tocadores de flauta de Bisel. É o costume, tocam uma ou outra melodia conhecida, só com as principais notas e a destempo. Mas tenho reparado recentemente num caso diferente. O indivíduo, do sexo masculino, com roupas ainda mais pobres que a maioria dos outros e não adequadas às temperaturas baixas que se fazem sentir, barba de vários dias, a parar volta e meia para comer um pedaço de broa, fica de joelhos defronte dum boné, pousado no chão, com uma ou duas moedas, a tocar. O quadro está complecto e é comum, o que não é comum é ele tocar normalmente música clássica (já ouvi Verdi, Bach, Vivaldi e Manuel de Falla) com todas as notas e variações, e impecável no tempo. Às vezes sinto uma angustia na garganta; ele teve uma instrução de muito bom nível e num campo que é desprezado neste país que temos, como é que ele chegou aquela situação?