Estou, numa tarde de calor, sentado junto a uma mesa de pedra na mata do Bom-Jesus. Por momentos algo me faz desviar a atenção do livro que tenho aberto nas mãos. Um esquilo, de cor castanho-escuro, passa a um palmo do meu pé esquerdo em direcção a uma árvore. Vejo-o seguir de árvore em árvore, buscando no chão alimento. E assim, por minutos, esqueço Scherezade. Mas ela continua em Bagdad. Intemporal. Criança ouvindo histórias no bazar, mulher distraindo a espada do Califa. Sonhando, ela própria, com Simbad e Ali Baba. Sonhando ser Zoneida enquanto Jasmine vela o seu sono. Sonhando com aventuras entre o Tigre e o Eufrates. Mas não sonhando que séculos e séculos depois a cupidez a cupidez humana haveria de destruir vestígios da sua civilização, da nossa civilização. O esquilo passou para além da vista, bebo um gole da garrafa de água e volto para o livro. Nélida Piñon é uma boa Scherezade.
Bom, hoje é terça-feira e vamos lá fazer uma pequena crónica do fim-de-semana.
Quinta à noite, noite de S. João, deitar às quatro da matina e levantar às oito (raio deste relógio dentro da cabeça). Sexta à noite; como no dia seguinte havia corrida deixei de lado a cerveja e "amandei-me" à seven-up de litro e meio geladinha. Resultado: dores de garganta, ligeira febre e uma insónia que me fez dormir só umas duas ou três horas. Sábado: saída depois do almoço, cinco "malotinhas" dentro dum carro por aí abaixo até Peniche. Como o meu carro era o maior e tinha ar condicionado lá gramei eu as horitas de condução. A corrida é feita à noite, quinze quilómetros no meio de fogueiras para mil e oitocentos "pernetas". (Como satisfação pessoal o facto de dois atletas treinados por mim ficarem nos vinte primeiros embora estivessem com uma ligeira intoxicação alimentar. No final em vez e irem para a sardinha ficaram pelo copo de leite.). Entrega dos prémios atrasada e só abalámos para Braga era quase uma da manhã. E então este "old boy" em chegando à zona da Bairrada teve que dizer que já não estava em grandes condições para conduzir nos 140/160 com segurança. Ou ia a 80/100, e chegavamos a Braga lá para as seis da manhã, ou alguém tinha que me substituir. Sugestão aceite e pude assim ir para a cama às quatro e meia da manhã. Mas, e dormir? É que quando o corpo está maçado custa muito a adormecer. Duas a três horas de sono e vá lá! E Domingo, às dez da manhã, lá estava no estádio para fazer trinta minutos de corrida lenta e calma.
Penso que posso dizer que cansaço é algo que sei o que é.
p.s. Aqueles dois "meninos" que ficaram a leite após a corrida, quando estavam no cafeteria, resolveram começar a "cantar" duas raparigas que nos serviam. Tive que ser Imperial: "Os meninos tenham juizo que são comprometidos e com filhos, e além do mais as meninas ficam muito mais bem servidas só comigo do que com vocês os dois que mal podem com uma gata pelo rabo!"
Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do Senhor Admnistrador!
Em toda a vila
se falou logo num caso de política;
o Senhor Administrador
mandou vir da cidade uma pistola,
qua mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...
Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!
É pá eu estou em férias e devia era estar a gozar o sol e o mar mas de repente abro o jornal e aparecem-me sandices, vigarices, horrores e outras historias que só o cruzamento de Kafka, Hitler, Bokassa e similares ajuda a perceber como é possível. Passo a explicar e aviso que estou com vontade de bater. Do suplemento do Expresso, Economia & Internacional um pequeno artigo acerca de prostituição refere o caso, passado na Alemanha no início do ano, e contado por Inês Fontinha, da associação «O Ninho», no seminário «O Tráfico de Mulheres e a Prostituição». Uma desempregada de 25 anos, com formação na área da tecnologia de informação, e tendo alguma experiência como empregada de mesa prontificou-se a trabalhar em bares e à noite. Quando vai ao primeiro empregador descobre que é um bordel em Berlim. Recusa o emprego e tenta até processar o centro de emprego a acaba por descobrir que a lei não só não lhe dá razão como está em risco de perder os benefícios sociais. Diz a lei que qualquer mulher com menos de 55 anos e desempregada há mais de um ano pode ser forçada a aceitar qualquer emprego disponível mesmo na área do sexo -, sob pena de perder o subsídio. Agora eu pergunto: O estado Alemão não é membro da C.E.? E a C.E. deixa que um seu estado-membro favoreça e quase obrigue a exploração sexual de uma pessoa?
Giro, giro, era eu arranjar este verão uma namorada de nome Catarina e andar por aí a cantar "sim Catarina ó i ó ai, sim Catarina ó ai meu bem".
Chic, chic, era arranjar uma namorada de nome Patrícia, corretora da bolsa, e andar no carro com a cassete do Pérez Prado a tocar o tema Patricia.
Inês Pedrosa, na sua Crónca Feminina na revista Única do Expresso tem este comentário à pergunta "Quando acaba um livro começa logo outro ou fica com aquele bloqueio do pós-parto?"
Valha-me Santo António da ONU, padroeiro dos refugiados e dos embriões - porque será o difícil parto uma metáfora tão fácil?
Gostei!
E morreu Eugénio de Andrade, beirão como eu. Enfim, esta segunda-feira é devastadora. Foi colega de trabalho do meu pai, antes do 25 de Abril, na chamada Federação das Caixas de Previdência onde ambos eram inspectores, o meu pai em Coimbra e Eugénio no Porto. E como a maior parte dos fazedores de letras deste país, um teso.
Do texto As Mães, a primeira frase:
Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido.