Um pássaro, pousado num galho da árvore defronte à minha janela. Não sei que árvore é aquela, não sei que pássaro é aquele, apenas sei que é Outono e que um pássaro está pousado num galho de uma árvore defronte da minha janela. Parado, encolhido, de olhos fechados. Dorme talvez, e eu pergunto-me se os pássaros dormem de dia e se quando dormem também sonham e se sonham com o que sonham. Talvez com calor, talvez com fartura, talvez com outros pássaros. É apenas um pássaro pousado num galho defronte da minha janela num dia de Outono mas deixou-me taciturno, contemplativo, ansioso.
Um pássaro estava pousado num galho da árvore defronte à minha janela. Caiu, petrificado pela ausência de vida e tornou-se jantar de gato vadio, abandonado por alguém cujos sentimentos não vão além da sua imagem reflectida num espelho qualquer. Se fosse pássaro e pudesse escolher acho que preferiria acabar na barriga de um gato vadio do que pendurado à cintura de um caçador como troféu de um qualquer feito.
No último número do jornal Expresso, Fernando Madrinha, na coluna Preto no Branco, dá-nos conta de algo que se está a passar. A tragédia (mais uma) que está a acontecer no Paquistão só vagamente passa nas rádios, televisões e jornais; e no entanto a dimensão da tragédia é algo que ninguém sabe dizer os números. Na semana passada era 50 mil mortos mas dentro de uma semana pode chegar aos 150 mil se o socorro não chegar às montanhas e às aldeias devastadas pelo terramoto. O artigo vem com uma foto de um paquistanêscom um iolhar intenso "entre o interrogativo e o acusador, diz tudo o que precisamos de saber sobre o medo e a força, o luto e a raiva, a resignação e o abandono. Tudo sobre a enorme solidão a que está entregue. Fernando Madrinha escreve que "Há uma velha regra do jornalismo segundo a qual uma briga na taberna da rua vale mais como notícia do que uma catástrofe em qualquer país distante". Mas se nos esquecemos de olhar e pensar e sentir o sofrimento alheio que piedade e justiça e respeito queremos para nós?
- É pá, vai um gajo a passear por estas estradas secundárias a pensar no raio da vida e no que ela se transformou, cheio de comiseração por si próprio, quando no auto-rádio passam os Gipsy Kings a cantar o My Way (a mi manera). Começa a sentir a mistura das sensações de humor com melancolia e lembra-se da história daquele fulano, executivo de sucesso, que se atira do alto de um arranha-céus de Manhatan. Na sua corrida para o topo do sucesso tinha sacrificado tudo; os sonhos da juventude, a mulher que amava, a própria dignidade. Mas o que fez atirar-se do alto do edifício foi o saber que um zé-ninguém lá da terra era um capitão da indústria, pessoa altamente badalada e que teria, sempre, um lugar à sua frente no restaurante preferido da moda. Isso, ele não aguentou. E põe-se a pensar que talvez não tenha caído tão fundo que não pudesse levantar-se.
- Olha, eu, é mais prosaico. Passava numa estrada, ali no vale do Ave, onde costumam estar prostitutas à beira da estrada (algumas tão jovens, deus que não és meu) quando passa no auto-rádio o Bob Dylan a cantar Lay Lady Lay. Senti arrepios.
E. entrou no banco e dirigiu-se o balcão. Pediu para falar com um gestor de conta pois queria abrir conta naquela dependência. Já sentada defronte para o bancário explica que vai abrir a conta com 500 euros e que depositaria diariamente a quantia ganha na sua profissão querendo que o gestor de conta utilizasse dois terços do valor da conta em aplicações financeiras que melhor a beneficiassem. O gestor pergunta-lhe calmamente quanto pensava em depositar mensalmente e ela respondeu-lhe que variava entre seis e os doze mil euros. Curioso, ele perguntou-lhe que tipo de negócio era o dela. Ela respondeu-lhe: a prostituição. Ele olhou de alto abaixo, avaliou, e passados alguns segundos perguntou: e quanto é que a menina leva? Ela olhou-o friamente e disse cortante: há aqui um pequeno engano. Eu não me prostituo. Sou a agente de vários cavalheiros jovens que proporcionam prazer a mulheres mais velhas mas com meios financeiros elevados. E por falar nisso o senhor tem um excelente aspecto, se quiser trabalhar neste ramo fale comigo. Olhe que ganha-se muito bem.
Sexta-feira. Ponto final na semana de trabalho e abre-se o parêntesis do fim-de-semana (daí que muitos prefeririam viver entre parêntesis). Do meu local de trabalho olho pela janela e o meu olhar perde-se a seguir uma bonita mulher, o corpo fica sentado em frente ao computador mas a mente já voa. Sexta-feira, sexta-feira, e as cinco por bater. A las cinco en punto de la tarde como diria Federico Garcia Lorca, assassinado pelos fascistas. Aqui ao lado alguém tem uma discussão consigo próprio por causa de um trabalho que fez e que vai ter que refazer, é o cansaço, é o cansaço, e a falta de paciência para nos aturarmos a nós próprios, às nossas manias, aos nossos sonhos rejeitados, às nossas esperanças perdidas em qualquer esquina da vida e que outrém encontrou a vaguear num beco escuro e com elas fez amor. Perdidas. E o tempo cinzento, como que a querer imitar a vida. Cinzento de cinza. Do lado de fora da janela passa a vida e eu aqui a espreitar como um peixinho vermelho num aquário. Bom...desde que não me afogue. Bom fim-de-semana.