A todos que por aqui passam desejo um excelente ano de 2006
Quanto aquilo que espero deste novo ano que começa, apenas que as pessoas que eu amo, os meus familiares e amigos, sejam muito felizes. A felicidade de quem amo faz-me feliz também.
De mini-férias até Terça-Feira quero desejar a toda a gente que me lê um
BOM E FELIZ NATAL
E façam-me o favor de serem felizes
Xicoração
Passam hoje duzentos anos da morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage. Aqui celebra-se não a morte mas o poeta, infelizmente pouco estudado, vilipendiado até.
Ao Padre José Manuel de Abreu e Lima,
que, aproveitando-se da prisão do autor, lhe
tomara o primeiro acto do drama «A Restauração
de Lisboa» e, completando-o, o pôs em cena como seu
Em vão, Padre José, padre ou sacrista,
De magra cachimónia, estéril pena,
Encaixas do Salitre sobre a cena
D'alta Lisboa a célebre conquista.
Bocage dentre as grades pede vista
Contra um roubo, mais certo que o de Helena;
E a cómica Talia te condena
Dos plagiários vis a andar na lista.
De «Afonso» houveste às mãos acto primeiro,
Fruto do pobre autor encarceredo,
E deste a consciência por dinheiro.
Roubaste-o por o ver encafuado?
Cuidas talvez que é cova o Limoeiro?
Ora treme de o ver ressuscitado!
O que vos trago hoje tem a ver a cimeira da OMC em Hong Kong. No jornal Expresso do último fim-de-semana, em artigo publicado no suplemento de economia, Jorge Fiel bate, forte e feio, puro e duro, nesta casta (utilizo propositadamente este substantivo como um adjectivo) de dirigentes europeus que temos:
Os indianos não comem vacas, que na sua cultura são um animal sagrado. Mas onde as vacas são realmente um animal sagrado é na EU. Uma vaca europeia custa, em subsídios, dois euros por dia. Muito mais do que recebem 1,2 mil milhões de pobres que passam fome nesse mundo. Um estudo do Banco Mundial calcula que o fim dos subsídios aos agricultores da EU e Japão chegariam para arrancar à pobreza 140 milhões de seres humanos, nossos irmãos.
Os 44 mil milhões de euros que custa por ano a Política Agrícula Comum, uma soma pornográfica dinheiro que chegava para fazer 4 linhas de TGV Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto e cinco aeroportos da Ota.
Já sabem que sou incapaz de deitar ao lixo um bocado de pão seco de quatro dias sem ouvir na minha cabeça a voz da minha mãe a lembrar-me: «Olha que é pecado desperdiçar comida quando há tantas crianças no mundo a morrer de fome».
Por isso, espero que compreendam e partilhem a enorme revolta e desprezo que me merecem os dirigentes da EU que atiraram para um beco a cimeira da OMC que está reunida em Hong Kong e me deixam com vontade de me referir a eles com os mesmos termos que um adepto de futebol costuma dedicar ao árbrito que marcou um penálti injusto contra o seu clube.
O Jornal de Letras, no presente número, traz uma entrevista, com Vítor Aguiar e Silva, professor universitário, autor de uma obra referencial no âmbito da Teoria da Literatura. A entrevista é feita a pretexto de uma nova antologia da lírica de Camões. Na entrevista, conduzida por Maria João Martins (têm o link para o seu blogue travailleroutalveznao ali na coluna do lado esquerdo), ele tem uma frase que vale a pena trazer aqui:
Nós estamos a viver uma época de gestores e economistas e já dizia o Fernando Pessoa, através do Álvaro de Campos, que a época dos economistas e engenheiros seria péssima para a Cultura e para a Poesia. Mas em Portugal o que verificamos é que são os gestores e economistas que têm empurrado o país para a ruína, apesar do ar sapiencial com que falam na televisão. Temos de tomar consciência de que não é com esta tribo que resolvemos os nossos problemas,. Pelo menos desde o princípio do cavaquismo, verificamos que eles são sempre os mesmos, dizem sempre as mesmas coisas e apresentam os mesmos lugares-comuns, independentemente do partido a que pertencem. É por isso que vejo com muita simpatia a candidatura de Manuel Alegre.
Assino por baixo e acrescento o meu número de B.I. se necessário for.
Às vezes vejo coisas que me deixam incomodado. Utilizo esta palavra porque é isso que sinto; quero dizer que há algo que fica aqui a roer, aqui dentro do coração. Há uma nova moda (pelo menos aqui em Braga) naquilo que chamo os pedintes musicais; começaram a aparecer os tocadores de flauta de Bisel. É o costume, tocam uma ou outra melodia conhecida, só com as principais notas e a destempo. Mas tenho reparado recentemente num caso diferente. O indivíduo, do sexo masculino, com roupas ainda mais pobres que a maioria dos outros e não adequadas às temperaturas baixas que se fazem sentir, barba de vários dias, a parar volta e meia para comer um pedaço de broa, fica de joelhos defronte dum boné, pousado no chão, com uma ou duas moedas, a tocar. O quadro está complecto e é comum, o que não é comum é ele tocar normalmente música clássica (já ouvi Verdi, Bach, Vivaldi e Manuel de Falla) com todas as notas e variações, e impecável no tempo. Às vezes sinto uma angustia na garganta; ele teve uma instrução de muito bom nível e num campo que é desprezado neste país que temos, como é que ele chegou aquela situação?
Ontem, quando cheguei a casa às quatro e pouco da tarde, ainda apanhei a cena final do filme que estava a passar no canal Holywod, Cyrano de Bergerac. Cyrano (Gérard Depardieu), ferido de morte, lê a Roxane a carta que ele mesmo tinha escrito anos antes em nome do esposo de Roxane e é então que ela compreende o engano de amor que tinha vivido. É na minha opinião uma cena muito bela em que o cadete da Gasconha diz aquele frase (estou a citar de memória) de que entrará nos céus com pelo menos algo intocável e absolutamente puro, o seu penacho. Porque, como ele diz, não se importa que Moliere copia-se descaradamente uma cena sua porque ele, Moliere, tinha talento; assim como não se importava que o esposo de Roxane tivesse tido a mulher que ele, Cyrano, amava, porque era bonito, ao contrário de Cyrano. E despede-se de Roxane para ir de encontro à última amante, aquela a que comparecemos sempre pontuais: a morte. Aqui entre nós que ninguém nos ouve acho que o nosso país também teve um grupo de cadetes da Gasconha, que mantiveram o seu penacho impoluto, dos quais digo apenas dois nomes: Salgueiro Maia e Melo Antunes.