Isto tem estado complicado. A grande quantidade de trabalho não joga lá muito bem com este calor. Na verdade a quantidade de coisas para fazer não joga nada com um dia de só 24 horas. Mas vamos lá, aguenta-se.
Hoje trago-vos a maneira como nasceu o poema Trova do Vento que Passa contada pelo autor, Manuel Alegre, a José Carlos de Vasconcelos, no Jornal de Letras nº 907, já aí nas bancas:
"Venho de Angola, da cadeia, estou com residência fixa em Coimbra, rcordo absoluta e exactamente o momento em que 'nasceram' os seus primeiros versos. Eu vinha de casa, ia a atravessar a Praça da República com o Adriano(Correia de Oliveira) e havia uns pides a seguir-nos, a minha vida já estava a ficar muito negra. O Adriano disse,«lá vêm eles». E, de repente, saíram-me os últimos versos:«Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão,/há sempre alguém que resiste,/há sempre alguém que diz não». E o Adriano comentou: «Iso é uma coisa fantástica. Agora tens que escrever o resto. Porque podes nunca escrever nada, mas esses versos vão ficar, para sempre, na memória de todos». Mal ele imaginava que isso em parte viria a acontecer graças à sua interpretação da música que para ela escreveu o (António) Portugal.
O poema começou a circular, o Adriano tentou encaixar a primeira estrofe e as duas últimas em fados tradicionais, para irmos a Lisboa, à festa da recepção aos caloiros da Faculdade de Medicina. Mas não saia nada de jeito. De repente o Portugal - nunca mais me esqueci disso - começou a dar uns acordes na guitarra e fez aquela melodia fantástica, que casa perfeitamente com o poema. Eles lá ensaiaram e viemos para Lisboa - eu ilegalmente, pois tinha que pedir licença à PIDE e não pedi. Cantou o Adriano, foi um delírio, a seguir cantou o Zeca Afonso, delírio foi. E veio tudo para a rua cantar a «Trova», em coro."