Duas pessoas cruzam-se todos os dias, quase sempre à mesma hora, meses, ás vezes anos, e nada, nem um cumprimento, nem uma saudação, cada um com o seu pensamento, o seu ritmo, o seu porto de chegada. Não acontecimento. Apenas um não episódio no dia a dia duma cidade. De repente, como se fossem outras pessoas e nunca tivessem passado um pelo outro, ele e ela olham-se nos olhos, de passagem, durante uns escassos e preciosos segundos. Não se voltam para trás, foi como se apenas fosse mais outro dia igual a tantos outros. Mas foi diferente, algo aconteceu, algo passou no olhar entre eles e alojou-se nos seus corações. Podem nunca mais se encontrarem mas não vão esquecer aquele momento e o rosto e os olhos do outro. Ou podem tornar a passar um pelo outro, dia após dia, portando-se como se nada tivesse acontecido. Um acontecimento não acontecido, se calhar só fantaseado. Uma ilusão de óptica provocada por um raio de luz matutino cujo reflexo lhes fez o coração dar dois ou três batimentos mais rápidos numa manhã de um dia de trabalho.