À prostituta mais nova,
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu Amor...
Para que, na paz da hora,
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás, por essa noite fora...
com passos feitos de lua, oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua...
Lisboa, 1950