A pedido da Fernanda tentei arranjar um final feliz para a Sozinha.
Quando bateram as cinco da tarde resolvi fechar o computador e ir embora de fim-de-semana. Era sexta-feira e a semana tinha sido cansativa. Saí. Dirigi-me para a avenida com o pensamento no dia anterior, no que tinha visto, e pressentido, quando estava a tomar um café. As coisas que passam pelo pensamento de um homem, aquilo de que eu me tinha apercebido era uma tragédia pessoal. E ela era tão bonita, mesmo com os olhos tristes, magoados, húmidos. Mas lá dentro, a brilhar, uma chama. Sorri-lhe quando ela saíu, fitando-a nos olhos, nos seus lindos olhos magoados. Agora ia para lá, pensando que talvêz ela lá estivesse.
Quando entrei passei os olhos pela sala, à sua procura, mas ela não estava. Pedi ao Agostinho uma bica comprida e sentei-me a um canto a ler um pouco do meu querido Pablo Neruda. O criado veio trazer-me o café, bebi um gole e, quando levantei a cabeça, reparei que ela vinha a entrar. Foi sentar-se, não perto da janela que ela ontem mirava com tanta frequência, mas mais perto do lado da sala onde eu estava. Pediu um café (ontem estava a beber chá) e olhando à volta da sala os olhos deram comigo e sorriu. Se eu já tinha achado aqueles olhos lindos, agora o espanto de tanta beleza nesses seus olhos a sorrir deu-me um frenezim interior. Sorri-lhe de volta e ela baixou a cabeça, sorrindo, para a revista que levava.
Não sou de grandes coragens emocionais. Física e intectualmente não tenho medo de nada ou ninguém mas, emocionalmente, não sou de grandes coragens, como a maioria de homens segundo penso. Aí as mulheres batem-nos por larga margem, são muitíssimo mais corajosas que nós. De qualquer maneira sabia que tinha que tentar qualquer coisa, já tenho arrependimentos demais para arranjar mais um. Levantei-me e dirigi-me para a porta ao mesmo tempo que ela e quando segurava a porta para ela sair meti conversa, aquelas coisas do tempo que são a muleta universal de quem mete conversa com alguém que não conhece. Perguntei-lhe o nome e disse que se chamava Ester e eu disse-lhe que era um bonito nome a acompanhar os mais lindos olhos do mundo. Quando lhe disse isto deu-me mais um dos seus sorrisos absolutamente deslumbrantes que estavam a começar a desestabilizar o coração. Fiz-lhe um convite: perguntei-lhe se gostaria de me acompanhar a ver a ópera Carmina Burana que iria acontecer no dia seguinte, e ela disse que sim.
Amanhã, depois do concerto, vou levá-la a jantar. Acho que lhe vou sussurrar aos ouvidos um poema que estou a fazer com o seu nome. E depois peço-lhe namoro. Espero que não me ache demasiado antiquado.