Ester estava sentada perto da janela olhando o anoitecer que invadia a avenida. Sentia-se cansada do dia de trabalho. Quando a cabeça, encostando-se, tocou as cortinas, desprendeu-se destas um cheiro doce a tabaco. Bebeu um pouco mais de chá e olhou o relógio. Ele estava de novo atrasado. Olhando pela janela, os seus olhos seguiram, com ternura, a corrida de uma criança para os braços de um pai. Quando com a criança nos braços ele enlaçou a mulher e a beijou Ester baixou os olhos para a chávena de chá. Não era pudor mas alguma coisa a doer lá dentro. Ele estava a chegar sempre atrasado nos últimos tempos e ela já não estava com forças para lutar. Estava cansada.
Olhando, de novo, pela janela viu-o chegar. Atravessava a avenida num passo calmo, sem pressa, como se houve-se sempre tempo para chegar. Entrou e sentou-se sem um cumprimento, um beijo na face sequer. E disse Isto tem que acabar.
Uma hora passada e ainda Ester estava sentada perto da janela e olhava, e olhava, com olhos humedecidos as pessoas a passaram na noite lá fora, lá fora. Tão fora dela. Sabia que se levantaria e seguiria para casa com os ombros caídos, tão cansada. Entraria na sala e iria sentar-se em frente ao televisor sem nada ver. E iria para a cama onde choraria e sentiria a ferroada da dor dentro de si. Tão dentro de si, sozinha.
(Com um agradecimento a James Joyce e ao seu Gente de Dublin que acabaram com um bloqueio de semanas)